sábado, 31 de dezembro de 2011

COR-DE-ROSA, MAS COM FP46

Olá, amigos das ideias,
Vamos à ultima resenha de 2011, encerrando o ano em "cor-de-rosa". Afinal, é fim de ano e tal e coisa e coisa e tal.

Editora: Gutenberg
Autor: Paula Pimenta
Ano: 2011/5a Ed.
Título original: A estréia de Fani
Páginas: 331



    Lançado  em dezembro de 2008, Fazendo Meu filme - A estreia de Fani (agora em sua 5a. tiragem)  é narrado em primeira pessoa, em tom de diário. A história gira em torno dos acontecimentos que envolvem a jovem Fani (Estefânia, mas ela simplesmente odeia que a chamem assim) e seu grupo de amigos/colegas de escola nos meses que antecedem o final do ano letivo.
    Eis um livro que, pra mim, não foi nada fácil resenhar. Tampouco foi fácil de ler. Larguei várias vezes, voltei a ele, deixei-o de lado novamente.
Ora, devem pensar vocês, mas um livro tão gracinha, personagens tão legais, os bons vencem no final feliz; difícil por quê?
    Eu e minhas ideias de canário, onde já se viu?
  Explico-me: talvez, devido ao fato de o livro estar dirigido (não necessariamente, é claro) a uma faixa etária específica, houve uma espécie de bloqueio, mesmo ficando claro desde o início que a Fani é uma guria do bem, centrada, capaz de trocar uma balada por filmes no DVD e livros, boa filha, amiga dos amigos, uma adolescente original e com senso crítico e que não se deixa levar facilmente pelas ideias dos colegas. E esse tipo é muito incomum, difícil mesmo de se encontrar, só na ficção mesmo.
    E veio o intercâmbio, a aproximação do final do ano letivo: provas, recuperações, os bate-papos no msn, a paixão platônica pelo professor, o desconforto  pelo fato de o “melhor amigo” ter arranjado uma namorada,  a descoberta de que o amor de sua vida esteve sempre a um passo dela, que nem sequer havia notado, o sofrimento pelo tempo perdido, a visita à cartomante seguida pela correria para recuperar o que perdeu sem nem mesmo saber que teve. Muito clichê.
   O larga e pega continuou. 
  Olhava para o livro na cabeceira, a cada noite, ficava com sentimento de culpa, pois não é meu costume abandonar leitura na metade, isso é que  não. Além do mais, o livro foi ganho numa promo da Livros e Pessoashttp://www.livrosepessoas.com/
 Segui em frente. Felizmente, porque, no momento em que a Fani rendeu-se e reconheceu sua paixão pelo Leo, depois de dançarem coladinhos na festa de final de ano da turma e, abraçada ao vestido que usara sentiu um perfume que não era o seu, pimba! Finalmente, um ponto real e concreto em comum com a maioria dos mortais surgiu:
"Absorvi o cheiro com mais intensidade, deitei na minha cama abraçada com o vestido e deixei que aquele perfume me levasse de volta para a noite passada." (p.194)
    Essa frase fez a história toda valer a pena!
   Que mulher apaixonada já não fez isso? Sou capaz de apostar toda minha biblioteca que não escapa uma. A paixão faz com que o mundo ao nosso redor torne-se sensorial: o som da voz ao telefone, as letras de música que dizem tudo, o perfume, o toque, tudo é percebido através dos sentidos.
  Fani, em seu processo de descoberta do amor, amadurece e prepara o leitor para a sequência de  um filme no qual ela mesma vai roteirizar, dirigir, sonorizar e atuar, sem cortes.
  Caso fosse o hábito deste blog atribuir estrelas, corações ou qualquer outro ícone que simbolizasse o quanto o livro agradou(ou não), sinceramente eu não saberia  o que fazer. Senti que a história está apenas no começo, e é sabido que há mais duas sequências, já em circulação.
   Então, daqui de trás do meu filtro com FP46, eu lhes desejo: Boa leitura!


Até 2012, 










domingo, 25 de dezembro de 2011

Natal das ideias

Aos amigos e parceiros desejo um Natal tudo de bom e que em 2012 estejamos juntos, em sintonia com nossas ideias!!


Depois de saboreados o  peru, seus acompanhamentos e a sobremesa, sem esquecer jamais de embriagar um pouco as ideias, toca  comemorar o Natal bem ao nosso estilo! 
E não há melhor representante desse espírito do que o próprio Machado de Assis. Ei-lo aqui, de novo e sempre! Mais um conto do mestre das ideias enquanto aguardamos que chegue 2012. Boa leitura!

   MISSA DO GALO

Nunca pude entender a conversação que tive com uma senhora, há muitos anos, contava eu dezessete, ela trinta. Era noite de Natal. Havendo ajustado com um vizinho irmos à missa do galo, preferi não dormir; combinei que eu iria acordá-lo à meia-noite. 
A casa em que eu estava hospedado era a do escrivão Meneses, que fora casado, em primeiras núpcias, com uma de minhas primas. A segunda mulher, Conceição, e a mãe desta acolheram-me bem, quando vim de Mangaratiba para o Rio de Janeiro, meses antes, a estudar preparatórios. Vivia tranquilo*, naquela casa assobradada da Rua do Senado, com os meus livros, poucas relações, alguns passeios. A família era pequena, o escrivão, a mulher, a sogra e duas escravas. Costumes velhos. Às dez horas da noite toda a gente estava nos quartos; às dez e meia a casa dormia. Nunca tinha ido ao teatro, e mais de uma vez, ouvindo dizer ao Meneses que ia ao teatro, pedi-lhe que me levasse consigo. Nessas ocasiões, a sogra fazia uma careta, e as escravas riam à socapa; ele não respondia, vestia-se, saía e só tornava na manhã seguinte. Mais tarde é que eu soube que o teatro era um eufemismo em ação. Meneses trazia amores com uma senhora, separada do marido, e dormia fora de casa uma vez por semana. Conceição padecera, a princípio, com a existência da comborça; mas afinal, resignara-se, acostumara-se, e acabou achando que era muito direito. 
Boa Conceição! Chamavam-lhe "a santa", e fazia jus ao título, tão facilmente suportava os esquecimentos do marido. Em verdade, era um temperamento moderado, sem extremos, nem grandes lágrimas, nem grandes risos. No capítulo de que trato, dava para maometana; aceitaria um harém, com as aparências salvas. Deus me perdoe, se a julgo mal. Tudo nela era atenuado e passivo. O próprio rosto era mediano, nem bonito nem feio. Era o que chamamos uma pessoa simpática. Não dizia mal de ninguém, perdoava tudo. Não sabia odiar; pode ser até que não soubesse amar. 
Naquela noite de Natal foi o escrivão ao teatro. Era pelos anos de 1861 ou 1862. 
Eu já devia estar em Mangaratiba, em férias; mas fiquei até o Natal para ver "a missa do galo na Corte". A família recolheu-se à hora do costume; eu meti-me na sala da frente, vestido e pronto. Dali passaria ao corredor da entrada e sairia sem acordar ninguém. Tinha três chaves a porta; uma estava com o escrivão, eu levaria outra, a terceira ficava em casa. 
— Mas, Sr. Nogueira, que fará você todo esse tempo? - perguntou-me a mãe de Conceição. 
— Leio, D. Inácia. 
Tinha comigo um romance, Os Três Mosqueteiros, velha tradução creio do Jornal 
do Comércio. Sentei-me à mesa que havia no centro da sala, e à luz de um candeeiro de querosene, enquanto a casa dormia, trepei ainda uma vez ao cavalo magro de D'Artagnan e fui-me às aventuras. Dentro em pouco estava completamente ébrio de Dumas. Os minutos voavam, ao contrário do que costumam fazer, quando são de espera; ouvi bater onze horas, mas quase sem dar por elas, um acaso. Entretanto, um pequeno rumor que ouvi dentro veio acordar-me da leitura. Eram uns passos no corredor que ia da sala de visitas à de jantar; levantei a cabeça; logo depois vi assomar à porta da sala o vulto de Conceição. 
— Ainda não foi? - perguntou ela. 
— Não fui, parece que ainda não é meia-noite. 
— Que paciência! 
Conceição entrou na sala, arrastando as chinelinhas da alcova. Vestia um roupão branco, mal apanhado na cintura. Sendo magra, tinha um ar de visão romântica, não disparatada com o meu livro de aventuras. Fechei o livro; ela foi sentar-se na cadeira que ficava defronte de mim, perto do canapé. Como eu lhe perguntasse se a havia acordado, sem querer, fazendo barulho, respondeu com presteza: 
— Não! qual! Acordei por acordar. 
Fitei-a um pouco e duvidei da afirmativa. Os olhos não eram de pessoa que acabasse de dormir; pareciam não ter ainda pegado no sono. Essa observação, porém, que valeria alguma coisa em outro espírito, depressa a botei fora, sem advertir que talvez não dormisse justamente por minha causa, e mentisse para me não afligir ou aborrecer. Já disse que ela era boa, muito boa. 
— Mas a hora já há de estar próxima, disse eu. 
— Que paciência a sua de esperar acordado, enquanto o vizinho dorme! E esperar sozinho! Não tem medo de almas do outro mundo?  Eu cuidei que se assustasse quando me viu. 
— Quando ouvi os passos estranhei; mas a senhora apareceu logo. 
— Que é que estava lendo? Não diga, já sei, é o romance dos Mosqueteiros. 
— Justamente: é muito bonito. 
— Gosta de romances? 
— Gosto. 
— Já leu a Moreninha? 
— Do Dr. Macedo? Tenho lá em Mangaratiba. 
— Eu gosto muito de romances, mas leio pouco, por falta de tempo. Que romances é que você tem lido? 
Comecei a dizer-lhe os nomes de alguns. Conceição ouvia-me com a cabeça reclinada no espaldar, enfiando os olhos por entre as pálpebras meio-cerradas, sem os tirar de mim. De vez em quando passava a língua pelos beiços, para umedecê-los. Quando acabei de falar, não me disse nada; ficamos assim alguns segundos. Em seguida, vi-a endireitar a cabeça, cruzar os dedos e sobre eles pousar o queixo, tendo os cotovelos nos braços da cadeira, tudo sem desviar de mim os grandes olhos espertos. "Talvez esteja aborrecida", pensei eu. 
E logo alto: 
— D. Conceição, creio que vão sendo horas, e eu... 
— Não, não, ainda é cedo. Vi agora mesmo o relógio, são onze e meia. Tem tempo. Você, perdendo a noite, é capaz de não dormir de dia? 
— Já tenho feito isso. 
— Eu, não; perdendo uma noite, no outro dia estou que não posso, e, meia hora que seja, hei de passar pelo sono. Mas também estou ficando velha. 
— Que velha  o que, D. Conceição? 
Tal foi o calor da minha palavra que a fez sorrir. De costume tinha os gestos 
demorados e as atitudes tranquilas*; agora, porém, ergueu-se rapidamente, passou para o outro lado da sala e deu alguns passos, entre a janela da rua e a porta do gabinete do marido. Assim, com o desalinho honesto que trazia, dava-me uma impressão singular. Magra, embora, tinha não sei que balanço no andar, como quem lhe custa levar o corpo; essa feição nunca me pareceu tão distinta como naquela noite. Parava algumas vezes,  examinando um trecho de cortina ou concertando a posição de algum objeto no aparador; afinal deteve-se, ante mim, com a mesa de permeio. Estreito era o círculo das suas idéias*; tornou ao espanto de me ver esperar acordado; eu repeti-lhe o que ela sabia, isto é, que nunca ouvira missa do galo na Corte, e não queria perdê-la. 
— É a mesma missa da roça; todas as missas se parecem. 
— Acredito; mas aqui há de haver mais luxo e mais gente também. Olhe, a semana santa na Corte é mais bonita que na roça. S. João não digo, nem Santo Antônio... 
Pouco a pouco, tinha-se reclinado; fincara os cotovelos no mármore da mesa e metera o rosto entre as mãos espalmadas. Não estando abotoadas as mangas, caíram naturalmente, e eu vi-lhe metade dos braços, muito claros, e menos magros do que se poderiam supor. 
A vista não era nova para mim, posto também não fosse comum; naquele momento, porém, a impressão que tive foi grande. As veias eram tão azuis, que apesar da pouca claridade, podia contá-las do meu lugar. A presença de Conceição espertara-me ainda mais que o livro. Continuei a dizer o que pensava das festas da roça e da cidade, e de outras coisas que me iam vindo à boca. Falava emendando os assuntos, sem saber por que, variando deles ou tornando aos primeiros, e rindo para fazê-la sorrir e ver-lhe os dentes que luziam de brancos, todos iguaizinhos. Os olhos dela não eram bem negros, mas escuros; o nariz, seco e longo, um tantinho curvo, dava-lhe ao rosto um ar interrogativo. Quando eu alteava um pouco a voz, ela reprimia-me: 
— Mais baixo!, mamãe pode acordar. 
E não saía daquela posição, que me enchia de gosto, tão perto ficavam as nossas caras. Realmente, não era preciso falar alto para ser ouvido: cochichávamos os dois, eu mais que ela, porque falava mais; ela, às vezes, ficava séria, muito séria, com a testa um pouco franzida. Afinal, cansou; trocou de atitude e de lugar. Deu volta à mesa e veio sentar-se do meu lado, no canapé. Voltei-me e pude ver, a furto, o bico das chinelas; mas foi só o tempo que ela gastou em sentar-se, o roupão era comprido e cobriu-as logo. Recordo-me que eram pretas. Conceição disse baixinho: — Mamãe está longe, mas tem o sono muito leve; se acordasse agora, coitada, tão cedo não pegava no sono. 
— Eu também sou assim. 
— O quê? - perguntou ela inclinando o corpo, para ouvir melhor. 
Fui sentar-me na cadeira que ficava ao lado do canapé e repeti-lhe a palavra. Riu-se da coincidência; também ela tinha o sono leve; éramos três sonos leves. 
— Há ocasiões em que sou como mamãe; acordando, custa-me dormir outra vez, rolo na cama, à toa, levanto-me, acendo vela, passeio, torno a deitar-me e nada. 
— Foi o que lhe aconteceu hoje. 
— Não, não, atalhou ela. 
Não entendi a negativa; ela pode ser que também não a entendesse. Pegou das pontas do cinto e bateu com elas sobre os joelhos, isto é, o joelho direito, porque acabava de cruzar as pernas. Depois referiu uma história de sonhos, e afirmou-me 
que só tivera um pesadelo, em criança.  Quis saber se eu os tinha. A conversa reatou-se assim lentamente, longamente, sem que eu desse pela hora nem pela missa. Quando eu acabava uma narração ou uma explicação, ela inventava outra pergunta ou outra matéria, e eu pegava novamente na palavra. De quando em quando, reprimia-me: 
— Mais baixo, mais baixo...
Havia também umas pausas. Duas outras vezes, pareceu-me que a via dormir; mas os olhos, cerrados por um instante, abriam-se logo sem sono nem fadiga, como se ela os houvesse fechado para ver melhor. Uma dessas vezes creio que deu por mim embebido na sua pessoa, e lembra-me que os tornou a fechar, não sei se apressada ou vagarosamente. Há impressões dessa noite, que me aparecem truncadas ou confusas. Contradigo-me, atrapalho-me. Uma das que ainda tenho frescas é que, em certa ocasião, ela, que era apenas simpática, ficou linda, ficou lindíssima. Estava de pé, os braços cruzados; eu, em respeito a ela, quis levantar-me; não consentiu, pôs uma das mãos no meu ombro, e obrigou-me a estar sentado. Cuidei que ia dizer alguma coisa; mas estremeceu, como se tivesse um arrepio de frio, voltou as costas e foi sentar-se na cadeira, onde me achara lendo. Dali relanceou a vista pelo espelho, que ficava por cima do canapé, falou de duas gravuras que pendiam da parede. 
— Estes quadros estão ficando velhos. Já pedi a Chiquinho para comprar outros. 
Chiquinho era o marido. Os quadros falavam do principal negócio deste homem. Um representava "Cleópatra"; não me recordo o assunto do outro, mas eram mulheres. Vulgares ambos; naquele tempo não me pareciam feios. 
— São bonitos, disse eu. 
— Bonitos são; mas estão manchados. E depois francamente, eu preferia duas imagens, duas santas. Estas são mais próprias para sala de rapaz ou de barbeiro. 
— De barbeiro? A senhora nunca foi à casa de barbeiro. 
— Mas imagino que os fregueses, enquanto esperam, falam de moças e namoros, e naturalmente o dono da casa alegra a vista deles com figuras bonitas. Em casa de família é que não acho próprio. É o que eu penso; mas eu penso muita coisa assim esquisita. Seja o que for, não gosto dos quadros. Eu tenho uma Nossa Senhora da Conceição, minha madrinha, muito bonita; mas é de escultura, não se pode pôr na parede, nem eu quero. Está no meu oratório. 
A idéia* do oratório trouxe-me a da missa, lembrou-me que podia ser tarde e quis dizê-lo. Penso que cheguei a abrir a boca, mas logo a fechei para ouvir o que ela contava, com doçura, com graça, com tal moleza que trazia preguiça à minha alma e fazia esquecer a missa e a igreja. Falava das suas devoções de menina e moça. Em seguida referia umas anedotas de baile, uns casos de passeio, reminiscências de Paquetá, tudo de mistura, quase sem interrupção. Quando cansou do passado, falou do presente, dos negócios da casa, das canseiras de família, que lhe diziam ser muitas, antes de casar, mas não eram nada. Não me contou, mas eu sabia que casara aos vinte e sete anos. Já agora não trocava de lugar, como a princípio, e quase não saíra da mesma atitude. Não tinha os grandes olhos compridos, e entrou a olhar à toa para as paredes. 
— Precisamos mudar o papel da sala, disse daí a pouco, como se falasse consigo. 
Concordei, para dizer alguma coisa, para sair da espécie de sono magnético, ou o que quer que era que me tolhia a língua e os sentidos. Queria e não queria acabar a conversação; fazia esforço para arredar os olhos dela, e arredava-os por um sentimento de respeito; mas a idéia* de parecer que era aborrecimento, quando não era, levava-me os olhos outra vez para Conceição. A conversa ia morrendo. Na rua, o silêncio era completo. 
Chegamos a ficar por algum tempo, — não posso dizer quanto, — inteiramente calados. O rumor único e escasso, era um roer de camundongo no gabinete, que me acordou daquela espécie de sonolência; quis falar dele, mas não achei modo. Conceição parecia estar devaneando. Subitamente, ouvi uma pancada na janela, do lado de fora, e uma voz que bradava: "Missa do galo! missa do galo!”. 
— Aí está o companheiro, disse ela levantando-se. Tem graça; você é que ficou de ir acordá-lo, ele é que vem acordar você. Vá, que hão de ser horas; adeus. 
— Já serão horas?  - perguntei. 
— Naturalmente 
— Missa do galo! — repetiram de fora, batendo. 
— Vá, vá, não se faça esperar. A culpa foi minha. Adeus, até amanhã. E com o mesmo balanço do corpo, Conceição enfiou pelo corredor dentro, pisando mansinho. Saí à rua e achei o vizinho que esperava. Guiamos dali para a igreja. Durante a missa, a figura de Conceição interpôs-se mais de uma vez, entre mim e o padre; fique isto à conta dos meus dezessete anos. Na manhã seguinte, ao almoço, falei da missa do galo e da gente que estava na igreja sem excitar a curiosidade de Conceição. Durante o dia, achei-a como sempre, natural, benigna, sem nada que fizesse lembrar a conversação da véspera. Pelo Ano-Bom fui para Mangaratiba. Quando tornei ao Rio de Janeiro em março, o escrivão tinha morrido de apoplexia. Conceição morava no Engenho Novo, mas nem a visitei nem a encontrei. Ouvi mais tarde que casara com o escrevente juramentado do marido. 
Machado de Assis - Páginas recolhidas (1899)
*conforme ortografia da época.

Que 2012 venha repleto de páginas para todos os "amigos das ideias"!














http://machado.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=166:conto&catid=34:obra-completa&Itemid=123

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

De trás pra frente, de baixo pra cima

O Ideias de Canário não poderia deixar passar em branco uma "ideia" dessas. Jamais!
Ler de trás pra frente? 
Bem, tem gente que costuma ler o jornal desta forma para começar pelas amenidades do dia, antes de cair na crueldade do mundo real. 
Mas ler um livro de trás pra frente,  de baixo pra cima?
E mais, imaginar que alguém escreveu-o assim, de trás pra frente, de baixo pra cima! Isso só pode ser uma tremenda ideia de canário. Uma ideia genial e que não dá pra perder, de jeito nenhum.
Vejam só, amigos das ideias








Sobre o autor: NEWTON CESAR é artista plástico, publicitário e escritor. Escreveu alguns romances, entre eles Jardim de sangue e Alice. Na área de propaganda, escreveu Direção de arte em propaganda e Making of. Desde 1987 trabalha como diretor de arte e diretor de criação em agências de publicidade.


Não, definitivamente não dá pra deixar esse livro passar em branco: Um minuto - Newton Cesar (Editora BesouroBox) fura a fila e vai direto para o topo da minha lista de necessidades urgentes e imprescindíveis!


Até breve, amigos!




http://livroseafins.com/um-livro-de-tras-pra-frente-e-de-frente-pra-tras/
http://www.submarino.com.br/portal/Artista/12493/+newton+cesar
http://www.besourobox.com/item/37/um-minuto/

domingo, 18 de dezembro de 2011

Histórias da infância

Não sei se os moradores mais jovens de Guaíba sabem , mas,há alguns anos (século passado, minha gente), a Praia da Alegria tinha um trapiche. Isso mesmo, gurizada da "Bera". Vocês que transitam, nos movimentados finais de darde - chimarrão a postos, puro charme e azaração -  no estiloso e recente pier de madeira "envelhecida", quando forem à praia da Alegria, observem uns tocos apodrecidos de madeira que ainda aparecem na água, principalmente quando o nível do rio Guaíba (como perdão dos geógrafos, que insistem em classificá-lo como lago, ou o que seja) está baixo.
Aqueles exemplares resistentes   fazem parte do que um dia foi uma diversão pra muita gente, inclusive eu(embora, no meu caso, não fosse tão divertido assim). Explico-me (ai, que vontade de botar esse pronome na frente do verbo):
Navegando no Face esta semana, deparei com uma postagem do Museu da Pessoa
Não conhece? Tá na hora, segue os links http://www.facebook.com/museudapessoa?sk=info  ou http://www.museudapessoa.net/
Pois então, como eu dizia, o post tratava de um concurso cultural cujo tema era "Histórias de Infância". Logo o meu arquivo de ideias da infância acionou o alarme e a primeira imagem que me veio à cabeça foi esta:


Praia da Alegria, Guaíba/RS- 1967
Pai, eu no colo, mãe, os demais, se alguém identificar, por favor, me avisa.
Aí já deu pra perceber, né! E a ideia de canário  que eu enviei para o concurso ficou assim:

A frase truncada no  início: O local: Praia da Alegria, Guaíba, Rio Grande do Sul.Naquela época, a empresa em que ele trabalhava tinha por costume fazer uma excursão de final de ano para confraternização dos funcionários. A Praia da Alegria, cenário desta fotografia (melhor seria dizer retrato, não) recebeu-nos em várias dessas ocasiões.

                    

O tal de trapiche não aprece na foto, mas está bem vivo na minha memória. 
Então, amigos das ideias, passa lá pra conhecer a iniciativa do museu,  que tem por missão "contribuir parta tornar a história de cada pessoa valorizada pela sociedade". Garanto que vão gostar e, de quebra, ainda podem registrar sua história por lá.    
Até a próxima!

Boa noite, amigos!  
                                



quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Seria "liberdade" este tal pássaro azul?

Em certas ocasiões, meu atrevimento não tem limites.
Agorinha, por exemplo, topei, no twitter, com uma postagem do Livro pra voar (http://www.livroparavoar.com.br/).Confiram a animação, muito bacana!!!
 Adorei a ideia  e, com todo meu conhecimento de língua inglesa (adquirido em dois semestres de curso-imagina a profundidade da fluência), ousei fazer uma tradução de Charles Bukowski . Fiquei mais maravilhada ainda.  Parece-me a liberdade aprisionada que cada um tem que controlar para viver em sociedade. Genial!
Aí vai a minha ideia de canário, sobre o poema "Bluebird".
Amigos das ideias podem conferir o original em Inglês(3) no link no fim da postagem  e dar pitaco na minha tradução À vontade. 

Pássaro azul 

Há um pássaro azul no meu coração só esperando
pra sair
mas tenho medo  por ele
e digo:  - fique aí, eu não vou
deixar ninguém te ver.
Há um pássaro azul no meu coracão só esperando
pra sair
então, eu o embriago com whisky e
fumo um cigarro
para que  as putas,  garçons
e balconistas
jamais saibam 
que ele está aqui.
Há um pássaro azul no meu coração só esperando
pra sair
mas eu tenho medo por ele e digo:
-fique quieto, você quer que eu me descontrole?
que faça besteira no trabalho?
quer que a venda do meu livro,
na Europa, caia?
Há um pássaro azul no meu coração só esperando
pra sair
mas eu sou esperto, só o deixo livre
algumas vezes, à noite,
quando todos dormem.
Eu digo:  -eu sei que você está aí,
não fique triste
E logo escondo-o novamente,
ele canta baixinho,
até que silencia
E dormimos com 
nosso segredo
e isso bastaria para
fazer alguém  chorar,
mas eu não estou chorando, estou?




A cara do "Ideias de canário", não acham?
Até breve!

domingo, 4 de dezembro de 2011

Árvores que ensinam a ler e escrever

Depois de  ler o título desta postagem, talvez tu estejas te perguntando: afinal de contas, que pode haver entre  árvores e aprender a ler e escrever? 
Para quem vive na cidade, acostumado  a frutas compradas na feira ou supermercado, a ideia de que por trás do seu saboroso consumo há a preparação da terra,  a escolha de sementes sadias, o plantio, a fertilização, a poda... e tantos outros cuidados,  está  para além de imaginar que elas vem de árvores e que o  seu consumo traz benefícios para saúdes tão urbanas.

Então estaria certo pensar  que é impossível  alfabetizar alguém usando como cartilha nada mais que sementes e terra para plantar?
Errado, caríssimos amigos das ideias, pois é exatamente assim que a professorinha Margarida, personagem da nossa Ideia de Canário de hoje reencontra seu caminho, depois de uma doença que a faz perder a memória e a capacidade de ler, escrever e, principalmente, ensinar.   

Abacate, banana, caqui ...  de semente em semente, uma letra depois da outra, Margarida foi reencontrando seu caminho e construindo o futuro.
Em Sitio da Margarida, através da história da professora  do interior, querida por todos e a quem nem mesmo a doença foi capaz de fazer desistir de viver ensinando e aprendendo, José Honório Terzeciaki Ribeiro, escritor lourenciano, traz ao leitor uma receita básica de  aprendizagem: plantar para colher.
 "- E que tive uma ideia  - Eu pensei que se, se eu plantar árvores em um canteiro, com a tua ajuda e começar a cuidar  delas, lembrando o nome das árvores eu posso lembrar o nome das letras e daí, quem sabe?! ... voltar a ler pelo menos uma frase, um poema... Quem sabe?!..."

Assim como as sementes que, uma vez levadas ao solo, viram sólidas árvores que proporcionarão sombra fresca para o descanso, frutos que saciarão a fome do corpo (e da alma), as coisas que se aprende na vida precisam de cultivo e cuidado e sempre poderão levar muito além do que se imagina. Basta olhar mais adiante e mesmo em uma "simples" plantinha encontra-se conhecimento. Como muito bem mostra o diálogo entre avô e neto, em  Sítio da Margarida:
  
"  - É menino! Tens toda razão. Sabe o damasqueiro, que dá damasco? Veio da Ásia e tem se dado muito bem aqui no Brasil. Mas também temos nossas árvores e plantas nativas de nossa terra. Um exemplo e esta aqui, a erva-de-bugre. Dá uma boa sombra e era muito usada pelos bugres em forma de chá ara curar varias doenças  Vamos plantar uma muda aqui. ela ajuda a contar a historia dos bugres, um povo que viveu aqui muito antes de nos, muito antes!" 

Botânica, geografia, fitoterapia, história, memória cultural indígena: o avô, em sua explicação, planta  o que vê e  cultiva o que não vê no conhecimento do menino, passando sua sua experiência de vida.
E por ai vão as lições  em Sítio da Margarida, simples e diretas como  a linguagem utilizada pelo autor que, como ele mesmo diz, nasceu no interior e sempre teve fascínio pela natureza , - "Na verdade, meus primeiros passos foram em meio as arvores e as plantações". - afirma José Honório que, além de poeta premiado, também e sócio-fundador  do Centro de Escritores Lourencianos.
Curioso?  Então, fica mais esta "ideia de canário",  pra tua leitura:



Até a próxima ideia!