Ideias (im) próprias



Fato: a sociedade evolui à velocidade de um clic. Jovens entram cedo no mercado de trabalho, encaram jornadas longas (incluindo o tempo de transporte para guaibenses) aliando estudos a empregos frustrantes e mal pagos. Mas, tal situação dá-lhes direito de mostrarem alienação quanto às convenções de civilidade nas ocasiões de perda algum de conforto trivial?
Explico: jovem casal indo para o trabalho, acomoda-se, no ônibus, em espaços reservados aos idosos, gestantes e tal. Ops! Primeiro equívoco. Havia espaços, ainda que individuais, mas a opção não agradava: separar corpos não estava nos planos daquela paixão. Os que amam querem estar próximos. Todo mundo entende (pelo menos deveria). Contudo, deve ficar claro para todos, inclusive para apaixonados, que regras e direitos - legalmente adquiridos, já que a simples condição humana não é garantia – requerem obediência.
  Logo foram instados a ceder espaço para um idoso que entrara buscando acomodação, como não havia, retornou à entrada (ou saída, nem sei mais, antes se embarcava pela traseira e desembarcava pela frente) para, sem protesto, esperar pelo próximo. Talvez não tivesse pressa, não fosse belicoso, sei lá. Iniciei a leitura da vez, mas não sem considerar o segundo erro: poderiam ter mudado de lugar e ainda ocupariam acentos, embora separados. Não o fizeram, senti o alívio e maior aconchego dos pombinhos.
Algumas linhas adiante, uma senhora, carteirinha em punho, reivindicou o assento preferencial. Teria hora marcada ou, o feminino caráter combativo, fez valer seu direito. O par, contrariado, dirigiu-se à roleta e ao terceiro erro dessa tragicômica sequência: o rapaz, voz baixa, indignada, reclamou à cobradora, afinal tinham ido até o ponto de largada (tá, fim-da-linha) para obter lugar era injustiça (não foi bem essa a palavra usada) terem que seguir a viagem em pé e tal e coisa e coisa e tal.  Mas seguiram. Mau humor estampado, nem abraçados estavam mais, braços e mãos ocupados em manter o equilíbrio.
Tivessem sido considerados os princípios de civilidade, respeitada a existência de acentos preferenciais, ao embarcarem; tivessem praticado os princípios de humanidade, civilidade, gentileza, consideração para com o próximo, boa educação, enfim, e todo o resto não ocorreria, exceto que não curtiriam a proximidade individual desejada (em um veículo de uso coletivo, ora bolas).
Exemplo sapiente da espécie. De um lado, avanço tecnológico, oportunidades de trabalho para os jovens; de outro, desvalorização da cordialidade para com os mais velhos. Especulo a que ponto chegará esse processo de desumanização social. Barbárie caminhando pari passu com evolução?
 Muitos acreditam ter a resposta, apontam caminhos, apostam soluções, preveem o futuro sem lembrar e respeitar o passado (tampouco os mais velhos). Eu, que já me atrevi a escrever estas linhas, desabafo: acredito que a classificação homo sapiens está na “roça” (ou “paredão”) e com “eliminação” à vista.
Outra separação ocorreu em seguida. Minha leitura não iria adiante naquela viagem. Embarcou uma jovem mãe com duas crianças, equilibrando, bolsas, filhas e roleta. Acenei para ela, guardei o livro, levantei. Chris Cleave esperaria, foi assim que me educaram. Quem sabe na volta.
Cármen Machado
Agosto/2012.






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E mais uma vez ali estava, entre os primeiros que cruzaram o portão.
Distraidamente percebeu o que já não era novidade: anoitecia e a garoa de antes se tornara forte chuva sem, contudo, deixá-lo desconfortável. Continuou acompanhando o grupo que - apesar de tudo - não apressou o passo. Sentia-se cômodo, indiferente até, à sensação térmica ao seu redor.
À medida que o grupo vencia a subida, a noite ganhou território e, do espaço a sua volta, mal adivinhava os contornos previsíveis. Metros adiante, pararam todos. Encostou-se a uma superfície que sentiu à altura dos ombros, os ruídos foram cessando, pouco a pouco, enquanto os presentes acomodavam-se os ritos finais. Aproveitando o súbito silêncio, meditou um tempo indefinível sobre o sentido da vida e a partida que a todos nós aguarda nas idas e vindas do fuso. A tesoura de Átropos está sempre pronta para o baile, sem convite e sem R.S.V.P.
            Lembrou-se do cigarro no bolso, o último na carteira.
            Ato contínuo, pensou nos meios de acendê-lo sob a chuva, em meio ao vento que circulava. Calculou que, virando-se, com a proteção da coluna as suas costas, manteria acesa a chama que lhe saciaria o vício de quase um quarto de século.
Escuridão e silêncio foram rompidos no característico gesto e a breve chama (que não chegou a cumprir sua função) permitiu-lhe ver, em familiares letras douradas, um nome... Foi um breve lume, mas de uma eternidade suficiente para lembrá-lo de uma certidão qualquer. Mas, qual? Quando?  A consciência da data (a mesma de sua certidão de batismo, agora acompanhada de outra), mais do que deixá-lo seguro, inquietou-o e, para disfarçar uma realidade que teria de encarar (mas não agora, por Deus!), protegeu-se refazendo mentalmente os passos que dera (talvez tivesse deixado escapar algo importante no trajeto) desde que atravessara, entre os primeiros do grupo, o portão da necrópole.







        

sempre qualquer coisa,
entre a lágrima e o riso,
que por mais que eu queira 
e procure evitar
sempre me falta quando preciso.
Não tem jeito, é agora,
a lágrima vai rolar.
                         
                       13-04-2013


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Neste espaço, conforme for tomando coragem, pretendo ir deixando meus, digamos, registros literários.


Ideias ao vento


Aproveito o dia de hoje, 12 de julho, exatos 12 meses após o primeiro voo deste canário na blogosfera, para iniciar esta nova sessão. As ideias impróprias, como o próprio nome sugere, ou não (rsrsrs) trarão, aos poucos, alguns escritos meus que "Cantando espalharei por toda parte,/Se a tanto me ajudar o engenho e arte." e coragem.
Abraços!









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